Lançado o primeiro periódico brasileiro voltado para a Informação Jurídica

Foi lançado o primeiro periódico brasileiro voltado para a Informação Jurídica – CADERNOS DE INFORMAÇÃO JURÍDICA (www.cajur.com.br)

A bibliotecária Edilenice Passos, editora do novo periódico, solicita aos colegas a divulgação do novo periódico totalmente dedicado à divulgação do conhecimento e a promoção da troca de experiências entre profissionais especializados na área da Biblioteconomia Jurídica, Arquivologia, Documentação, Ciência da Informação, Museologia, Informática Jurídica e ciências afins.

O primeiro fascículo é composto de três seções: Artigos, que engloba textos que contêm relatos completos de estudos ou pesquisas concluídas, Dossiê, que agrupa três artigos sobre um mesmo tema, dando ao leitor múltiplos olhares sobre uma mesma matéria, e Entrevista, que apresenta o ponto de vista e as ideias de um convidado. Neide De Sordi, Diretora da InnovaGestão, foi a entrevistada do primeiro número.

LEIA A INTEGRA DA ENTREVISTA:

Cadernos de Informação Jurídica: Qual é a sua formação acadêmica?

Neide De Sordi: Sou bibliotecária, com mestrado em Documentação, ambos pela Faculdade de Ciência da Informação da UnB e especialização em elaboração e análise de projetos.

CaJur: Conte um pouco sobre sua experiência profissional.

NS: Minha primeira experiência foi muito rica e influenciou toda a minha vida profissional posterior. Tive o privilégio de trabalhar na Biblioteca Nacional de Agricultura (BINAGRI) e depois Centro Nacional de Informação e Documentação Agrícola (CENAGRI), em um projeto internacional com o apoio do PNUD/FAO. No final da década de 70 e início de 80 do milênio passado a Informação Agrícola, incluindo instituições como a Embrapa, era uma área muito desenvolvida. Tive chefes como o Professor Jaime Robredo e a Yone Chastinet. Recebíamos muitos consultores internacionais, e utilizávamos toda a tecnologia de ponta da época, como serviços de comunicação de dados transdata (sistema de comunicação de dados ponto a ponto) e Renpac (Rede Nacional de Comunicação de Dados por Comutação de Pacotes).

O CENAGRI coordenava uma rede de bibliotecas de agricultura, responsável pelo controle bibliográfico, coletando toda a literatura agrícola produzida no País. As informações eram incluídas em uma base bilíngue, português e inglês, e a fita magnética era enviada a Viena, onde a FAO reunia a produção bibliográfica proveniente de todos os países membros. A atualização dessa base de dados mundial era devolvida aos países para operarem seus serviços bibliográficos. Era assim que se trabalhava no mundo pré-internet.

No Brasil, utilizávamos a fita para a geração de perfis de interesse de 3 mil pesquisadores cadastrados em um serviço de SDI. Entre a data de inclusão de documento na base de dados e o seu conhecimento por um pesquisador, via listagem do SDI, poderia demorar uns dois anos. Depois, para a obtenção da cópia de um documento selecionado pelo pesquisador via serviços de comutação bibliográfica, como da British Library, poderia demorar de seis meses a um ano. Também no CENAGRI havia a construção de tesauros, de bases de dados de boas práticas tecnológicas apropriadas ao pequeno produtor rural, bases de dados de legislação entre outros serviços e produtos inovadores. Considero que essa atuação diversificada, esse ambiente de inovação foi um diferencial para o meu futuro profissional.

CaJur: Qual foi a maior dificuldade quando iniciou na área de informação jurídica?

NS: Depois de nove anos como bibliotecária e outro como estagiária, me transferi para a Biblioteca do Tribunal Federal de Recursos (TRF), que logo depois, com a Constituição de 1988, em 1989, tornou-se o Superior Tribunal de Justiça (STJ). O maior choque foi cultural. Naquele tempo, as mulheres não podiam usar calça comprida no TRF. Era preciso estudar as fotografias dos Ministros porque não levantar quando um deles entrasse na Biblioteca era considerada falta grave. Não havia automação de serviço algum. O catálogo era de fichas, datilografadas em máquinas de escrever, não havia pessoal de apoio administrativo e era preciso ser muito subserviente para ganhar ou manter uma gratificação. Eu não tive a maturidade necessária para atuar em uma cultura organizacional tão diferenciada. Em nada parecida com a instituição moderna, modelo de excelência que é hoje o STJ.

CaJur: Como foi possível conquistar a confiança dos magistrados para viabilizar as suas propostas de trabalho?

NS: Quando tive oportunidade (não antes de conseguir o acordo para a inclusão da Biblioteca do TFR na Rede de Bibliotecas do Senado Federal), em março de 1989, transferi-me para o atual Centro de Estudos Judiciários (CEJ) do Conselho da Justiça Federal (CJF), dirigido pelo Presidente do STJ. Uma unidade administrativa nova, com uma cultura organizacional mais leve e uma missão institucional inédita no âmbito da Justiça: o aperfeiçoamento de magistrados e servidores e o desenvolvimento de pesquisas para o aprimoramento das instituições da Justiça.

No CEJ, tive oportunidade de atuar em diversas posições, nas áreas de treinamento, informação, pesquisas, editoração, contribuindo para a criação de diversos serviços, ocupando cargo de diretora de divisão até 1993 e, dessa data a janeiro de 2009, de Secretaria de Pesquisa e Informação Jurídicas. Como Secretária, meu chefe imediato era o Diretor do CEJ e Corregedor Geral da Justiça Federal, cargo ocupado por um ministro do STJ, renovado a cada dois anos. Havia muito a ser feito, especialmente para a Gestão do Conhecimento Jurídico, e eu me considerava a pessoa certa para fazer. Apresentava as propostas desenvolvidas em pequenos projetos e o ministro coordenador escolhia quais deveriam ser desenvolvidos e implantados na sua gestão. Nunca foi difícil “vender” meus projetos ou incluí-los nos planos de trabalhos apresentados pelo ministro diretor do CEJ. Às vezes, alguma ideia não emplacava, era engavetada por dois anos e reapresentada com nova roupagem, de acordo com as prioridades do novo diretor. Como fiquei muito tempo no cargo, pude formar uma rede de colaboradores em todas as instituições da Justiça Federal e, assim, tive oportunidade coordenar projetos complexos, como os primeiros cursos de pós-graduação para juízes federais em parceria com a Universidade de Brasília/UnB, o desenvolvimento do primeiro programa de pesquisas sobre o sistema de Justiça, a automação das bibliotecas da Justiça Federal, a padronização das bases de dados de Jurisprudência, o desenvolvimento do Tesauro Jurídico da Justiça Federal, a padronização de indicadores estatísticos para a mensuração das atividades da Justiça, a elaboração das tabelas processuais unificadas da Justiça Federal, o Programa de Gestão Documental da Justiça Federal e o Modelo de Requisitos para Sistemas Informatizados de Gestão de Processos e Documentos da Justiça Federal (Moreq-Jus). Os quatro últimos projetos mencionados foram posteriormente ampliados e adaptados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para todo o Judiciário brasileiro, razão pela qual, em fevereiro de 2009, transferi-me para o CNJ onde permaneci como Diretora-Executiva do Departamento de Pesquisas Judiciárias (DPJ) até a minha aposentadoria, em 2010. No CNJ, pude apresentar projetos inovadores, como o CNJ Acadêmico, que apoia o desenvolvimento de pesquisas de interesse para a Justiça pelas universidades brasileiras. É fácil obter autorização e apoio para a realização de projetos aderentes à cultura organizacional. Chefes não costumam ser contrários ao desenvolvimento de projetos que ampliam o brilho da sua gestão.

CaJur: Pela sua experiência de atuação profissional, você considera que deveria haver alguma cadeira de informação jurídica nos cursos de Biblioteconomia?

NS: A informação jurídica tem peculiaridades que a diferencia da informação de outras ciências. As fontes de informação são mais diversificadas – acórdãos, súmulas, sentenças, pareceres, leis e outros atos normativos, além do peso diferenciado da literatura estrangeira, que não costuma ser de muito interesse para a tomada de decisão. São do interesse quase que exclusivo de pesquisadores e estudiosos em suas teses de doutorado e dissertações de mestrado.

A terminologia é diferenciada como o é em todas as áreas do conhecimento humano.

Penso que na graduação, as disciplinas devem ser mais instrumentais, quer seja para o estudo de técnicas ou para ensinar a pensar. Não seria possível formar bibliotecários especializados em informação médica, jurídica, de tecnologia, de engenharia, cada uma com as suas peculiaridades.

A formação do bibliotecário já foi assim no currículo antigo. Saí da UnB especializada em bibliotecas de artes, embora não existisse meia dúzia delas em Brasília. Nunca haveria a oportunidade de prever corretamente a demanda do mercado. Informação jurídica poderia ser uma disciplina de um curso de pós-graduação.

CaJur: Pela sua experiência, acredita que exista mercado, no Brasil, para bibliotecários especialistas em informação jurídica? Em quais segmentos?

NS: Existe um promissor mercado para bibliotecários especializados em informação jurídica. Como empresária, estou atenta às demandas porque representam oportunidades de trabalho. Por falta dessa especialização, os bibliotecários perdem mercado para outras profissões. Embora eu tenha citado diversas fontes do direito (acórdãos, súmulas, sentenças, pareceres, leis e outros atos normativos) os bibliotecários não atuam no desenvolvimento de bases de dados de todas elas. Bacharéis em Direito costumam desenvolver, sem a colaboração dos bibliotecários, bases de dadosde jurisprudência, de legislação e taxonomia para essas bases de dados. Certamente uma equipe multidisciplinar atuaria melhor.

Existe mercado no serviço público e ainda nos escritórios de advocacia onde a profissionalização da gestão está em franco desenvolvimento.

A Lei de Acesso à Informação criou possibilidades infinitas de trabalho para o bibliotecário, com a publicação de dados abertos e com a própria demanda de informação. Infelizmente, os bibliotecários ainda não ousaram se apresentar para a realização desses serviços.

CaJur: Em alguns estudos de prospecção há a previsão do desaparecimento da Biblioteconomia que seria substituída pelos buscadores como Google e/ou bibliotecas digitais. Qual é sua opinião sobre essa questão?:

NS: Tem uma antiga afirmação: Quem tem competência se estabelece. É uma realidade. A Biblioteconomia precisa passar por uma reformulação para atuar nesse novo cenário de sociedade da informação. É preciso pensar grande, abandonar o apego ao suporte. O nosso objeto de trabalho é a informação em qualquer das suas manifestações. Se a Biblioteca não puder suprir todas as necessidades de informação dos seus usuários e, na área jurídica isso significa acesso à doutrina, à legislação e à jurisprudência, ela deixará de ser demandada.

No entanto, se a Biblioteconomia conseguir se renovar, ela não desaparecerá porque é preciso de gente para desenvolver as bibliotecas digitais, os buscadores como o Google funcionam melhor com o uso de uma taxonomia inserida nas bases de dados. Os novos serviços que serão criados, por exemplo, com a disponibilidade de dados abertos, precisarão de ontologias e novas demandas surgirão. Resta saber se os bibliotecários ocuparão esses espaços ou se novas profissões, como os analistas de taxonomia, ou os “ontologistas”, aparecerão para realizá-los.

CaJur: Qual seria o seu conselho para aqueles que estão iniciando na área de informação jurídica?

NS: Diversifique a sua atuação. Seu objeto de trabalho deve ser a informação jurídica em todas as suas manifestações, em todos os seus registros, incluindo a geração, a gestão e a disseminação da informação. Não atenda parcialmente ao seu usuário. Ele precisa que você selecione o que melhor responda à sua demanda, quer seja um artigo, um ato normativo ou um acordão. Se você lhe fornecer informação segmentada (apenas a doutrina e a legislação) ele não voltará. Se você lhe fornecer uma grande listagem de referências bibliográficas ele irá preferir pesquisar sozinho, que será mais rápido e mais eficiente. Se antecipe às demandas institucionais. Ofereça ajuda ao escritório de gestão de projetos para fazer a base de dados das lições aprendidas, veja se pode contribuir com a área de gestão de pessoas na elaboração da bibliografia básica de cursos específicos, procure a área de planejamento estratégico e ofereça seus serviços, mas peça ajuda para elaborar o planejamento estratégico da sua unidade. Faça parcerias institucionais porque sempre haverá espaço para quem é útil.