Os computadores, a automação e a internet mudaram substancialmente a forma de se obter informação e, por consequência, o papel do bibliotecário na intermediação entre os potenciais usuários das bibliotecas do século XXI e o conhecimento.
As exitosas políticas de acesso aberto ao conhecimento, iniciadas em 1999(1), contribuíram sobremaneira para a democratização do acesso à informação e resultaram no amplo acesso aos repositórios pelo usuário final e no autodepósito dos documentos pelo próprio autor, concorrendo para diminuir a necessidade da intermediação do bibliotecário no acesso à informação.
Assim, muitos dos atuais usuários das bibliotecas, estudantes ou profissionais, integram uma geração que cresceu conectada e possui as habilidades necessárias para a realização de pesquisas em ferramentas como o Google Scholar, repositórios e coleções de acesso aberto, utilizando diferentes gadgets e criando conteúdos on-line. Em decorrência, a cada dia, os administradores veem o ambiente eletrônico emergente como uma oportunidade para cortar custos.
Para ampliar a complexidade, parte significativa do conhecimento produzido no século XXI não está registrada em livros e periódicos, sejam eles digitais ou físicos, documentos que comumente constituem os acervos das bibliotecas.
O conhecimento relevante agora é extraído com o uso do big data, encontrando-se em sistemas cognitivos como o Watson, da IBM, que interpretam uma enorme quantidade de dados e conseguem tirar conclusões a partir deles, e distribuído nas redes sociais, que concorrem para a formação de redes de colaboradores e para o processo de inovação no contexto das organizações. Também o conhecimento está registrado no formato de dados abertos governamentais ou de pesquisas, os quais podem ser livremente utilizados, reutilizados, redistribuídos e cruzados entre conjuntos de dados, gerando participação universal e fortalecendo a democracia digital. Esses são apenas alguns exemplos de tecnologias disruptivas relacionadas com o conhecimento.
Dentro desse contexto, como o bibliotecário pode atuar para reverter a tendência da desintermediação, caracterizada pelo fechamento de postos de trabalho e das próprias bibliotecas? Embora existam bibliotecas públicas e acadêmicas com sistema de autoempréstimo de documentos, acesso a bases de dados através de smartphone, disponibilização de makerspaces para seus usuários, entre outras inovações, a maioria delas continua com as mesmas práticas de quando o bibliotecário era o guardião único do conhecimento.
Como os bibliotecários podem se preparar para enfrentar esses novos tempos? Como tornar a biblioteca um local de relevância para os seus usuários? Não temos as respostas. Resta-nos conhecer as tendências e definir estratégias para repensar as funções e responsabilidades dos bibliotecários no futuro, visando fortalecer as bibliotecas como um centro de aprendizagem.
Nesse sentido, em agosto passado, a Federação Internacional de Associações e Instituições Bibliotecárias (IFLA) publicou um Relatório de Tendências 2016 (2), resultado de pesquisa sobre as tendências emergentes nesse novo ambiente de informação, realizada com especialistas e stakeholders de diferentes áreas. Foram identificadas cinco tendências-chave que vão desde o acesso à informação, educação, privacidade, participação social e transformação tecnológica. O documento visa embasar a discussão dos profissionais no âmbito da comunidade de informação (3).
TENDÊNCIA 1 – Novas tecnologias irão expandir e também limitar o acesso à informação – Direitos autorais, acesso aos conteúdos digitais e empréstimos eletrônicos. A informação do mundo está em nossas mãos, mas o que poderemos fazer com isso? Como os bibliotecários, profissionais da informação, podem ajudar a sociedade na busca de soluções para esses desafios? A IFLA vê como uma oportunidade de os bibliotecários contribuírem para diminuir as desigualdades e para o alcance dos objetivos da Agenda 2030 de desenvolvimento sustentável. Questões como a aprovação, em julho de 2015, pelo Parlamento Europeu, de exceção no direito autoral para que as bibliotecas possam “legalmente emprestar obras ao público em formato digital” é uma das tendências apontadas.
TENDÊNCIA 2 – A educação on-line irá democratizar, mas também modificar (disrupt) a aprendizagem global – MOOCs e outros recursos on-line da educação são tendências e representam oportunidade de crescimento para os cidadãos, especialmente para os países africanos. Enfatiza o papel das bibliotecas no fornecimento de recursos e instalações técnicas para ampliar o acesso público a esses recursos. Aborda questões sobre a escolha dos conteúdos, quem oferece os cursos, quem os certifica, se efetivamente tais recursos são alternativas ao colonialismo cultural nos países em desenvolvimento e alerta para a necessidade do desenvolvimento de conteúdo adequado às necessidades locais, entre outras questões.
TENDÊNCIA 3 – Os limites da privacidade e da proteção de dados serão redefinidos – Questões relativas à privacidade de dados nas redes sociais, bem como à proteção aos dados na legislação dos países são abordadas.
TENDÊNCIA – 4 Sociedades hiperconectadas irão ouvir e capacitar novos atores – Aborda questões relativas ao empoderamento dos cidadãos. Denomina ciberpolítica as ações da sociedade civil na reinvindicação de transparência das informações, especialmente as reinvindicações criadas a partir das redes sociais. Enfatiza o papel das organizações sociais na promoção da sociedade aberta.
TENDÊNCIA 5 – A economia global de informação será transformada pelas novas tecnologias – Internet das coisas, economia compartilhada, blockchain e impressão em 3D são algumas das tecnologias apontadas pela IFLA que irão revolucionar a economia mundial.
A pergunta que se faz é se os bibliotecários estão em sintonia com a IFLA. As tendências apontadas estão no radar desses profissionais, que sempre tiveram importante papel na mediação entre o usuário e o conhecimento?
Em busca dessas respostas, realizou-se hoje, 31 de janeiro de 2017, o Workshop Bibliotecário do Século XXI, promovido pelo Instituto de Pesquisa Aplicada (Ipea), cujos temas – atitude do bibliotecário: atual e desejada; o bibliotecário e o seu relacionamento com a tecnologia; bibliotecários x concorrentes; papel cultural e social; mercado de trabalho do bibliotecário – foram debatidos com muito êxito, contando com a participação de especialistas e bibliotecários brasilienses.
- Iniciativa de Acesso Aberto de Budapeste (BOAI – Budapest Open Access Initiative).
- THE INTERNATIONAL Federation of Library Associations and Institutions. IFLA Trend Report 2016 Update. Disponível em <http://trends.ifla.org/>. Acesso em 27 jan. 2017.
- Livre tradução.
Bibliotecários, Transformação Digital, Acesso Aberto ao Conhecimento, IFLA Trend Report 2016 Update, desintermediação,